sábado, 12 de fevereiro de 2011

CRIMES SOCIETÁRIOS E VEDAÇÃO À DENÚNCIA GENÉRICA

Como é de sabença trivial, a teor do art. 41 do CPP e do entendimento pretoriano, o Ministério Público, na denúncia, deve descrever o fato supostamente delituoso de forma precisa e com todas as suas circunstâncias, individualizando a conduta de cada acusado, garantindo-se ao réu, assim, o efetivo exercício de uma ampla defesa e do contraditório.

Ocorre, todavia, que, da leitura de iniciais acusatórias atinentes a crimes societários, não raro se constata um verdadeiro desapreço ao aludido comando legal, eis que, na grande maioria delas, não se descreve uma única conduta, por parte de cada denunciado isoladamente, apta a estabelecer um eventual liame subjetivo entre cada um deles e o suposto fato delituoso (e, em se tratando de crime material, entre o próprio resultado naturalístico do crime).

Realmente, na imensa maioria das vezes, o que consta dessas denúncias é, tão somente, uma narrativa genérica, que se vale do simplório argumento de que, sendo sócios de determinada empresa, ou seja, por serem “formalmente” responsáveis pela sua administração, os co-réus seriam responsáveis pela suposta supressão de tributos que lhes está sendo imputada, argumento, inclusive, que revela a pretensão, por parte do Ministério Público, de que seja aplicada a responsabilidade objetiva em matéria penal, que, como cediço, é incabível.

Ora, não se especifica, via de regra, qual o efetivo agir de cada um dos denunciados que revele suas responsabilidades no que atine ao delito que lhes é atribuído, ou seja, o que, objetivamente, cada um fez, como fez, quando fez etc.

Aliás, veja-se que o vício em comento resta patente na medida em que se observa que, nessas denúncias, também não raro, se atribui condutas delituosas “à empresa” (pessoa jurídica), e não a cada acusado de per se.

De fato, é extremamente comum observar denúncias nas quais se assevera, por exemplo, que “a EMPRESA não exibiu os livros fiscais e contábeis nos quais tais movimentações deveriam ter sido registradas” ou que, “mesmo após intimada, a EMPRESA não apresentou qualquer documento que comprovasse a origem dos recursos utilizados nos créditos efetuados nas contas correntes de sua titularidade”, bem como em trechos nos quais se afirma que “a EMPRESA manteve à margem da tributação federal montante de R$ 15.213.159,71 (quinze milhões, duzentos e treze mil, cento e cinqüenta e nove reais e setenta e um centavos), cuja origem não foi comprovada” etc. Sem individualizar a conduta de cada denunciado, portanto, a denúncia resta maculada pelo vício da inépcia.

A propósito, saliente-se que, a despeito da mitigação (equivocada) que se vem dando, em casos de crimes societários, ao dever que o órgão acusatório tem de individualizar, na inicial, a conduta de cada acusado, o STJ firmou o entendimento de que, inobstante se trate de acusação de crimes daquela espécie, é indispensável que se indique, de forma concreta, qual a conduta efetivamente realizada pelo denunciado que se ligue à concretização do delito.

Nesse sentido, é lapidar o acórdão da 6ª Turma do STJ proferido nos autos do HC 50.804/SP, com relatoria da Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (julg. em 11/11/08, DJe 01/12/08), assim ementado:

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. 1. INÉPCIA DA DENÚNCIA. DESCRIÇÃO INSUFICIENTE DOS FATOS. NULIDADE ABSOLUTA. OCORRÊNCIA. PREJUÍZO À AMPLA DEFESA FLAGRANTE. 2. CRIMES SOCIETÁRIOS. MERA QUALIDADE DE SÓCIO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE NEXO DE CAUSALIDADE MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. 3. ORDEM CONCEDIDA.
1. Não tendo sido expostos os fatos imputados à paciente de forma suficiente, em atendimento aos requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, e causando flagrante prejuízo à ampla defesa, é se reconhecer a nulidade absoluta da denúncia.
2. Mesmo em se tratando de crimes societários, é indispensável a indicação de uma conduta que se ligue minimamente ao resultado, não bastando a referência à condição de sócio, sob pena de responsabilização de caráter objetivo.
3. Ordem concedida para anular o processo, desde a denúncia, dando oportunidade para que outra seja proferida, com a adequada exposição do fato”.

No mesmo diapasão, a 5ª turma do SJT, ao julgar o RHC nº 19.219 – RJ (julg. em 01/04/08), com relatoria do Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, decidiu:

“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS . TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. MATERIALIDADE E AUTORIA. TIPICIDADE (FORMAL, NORMATIVA E SUBJETIVA). TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO TIPO. JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. DENÚNCIA INEPTA. RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA. INADMISSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. Nos crimes societários, embora não se exija a descrição minuciosa da conduta de cada acusado, é necessário que haja a narrativa dos fatos delituosos, de sua suposta autoria, do vínculo de causalidade e do nexo de imputação, de maneira a permitir o exercício da ampla defesa.
3. Não há confundir narrativa genérica da conduta com imputação de responsabilidade penal objetiva.
4. Cabe ao órgão acusador, em sua peça inicial, a demonstração do vínculo, ainda que mínimo, entre o risco causado ao objeto penalmente tutelado e a conduta efetiva do denunciado na condição de sócio da empresa para que se possa dar início a ação penal com o recebimento da denúncia.
5. Recurso provido para, reconhecendo a inépcia da denúncia, anular a ação penal em relação ao paciente, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia em que haja a descrição mínima da sua efetiva participação”.

E, na mesma esteira, este outro julgado também da 5ª Turma do STJ, lavrado nos autos do HC 62.330 - SP, relatado pelo MIN. GILSON DIPP (julg. em 08/05/07), verbis:

“CRIMINAL. HC. DISPENSA DE LICITAÇÃO. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. CRIME SOCIETÁRIO. NECESSIDADE DE DESCRIÇÃO MÍNIMA DA RELAÇÃO DA PACIENTE COM OS FATOS DELITUOSOS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ORDEM CONCEDIDA.
I. Hipótese em que a paciente foi denunciada pela suposta prática de crime previsto na Lei de Licitações porque a empresa da qual seria sócia teria celebrado contrato com o Poder Público para a execução de obra sem a prévia observância do procedimento licitatório.
II. O entendimento desta Corte – no sentido de que, nos crimes societários, em que a autoria nem sempre se mostra claramente comprovada, a fumaça do bom direito deve ser abrandada, não se exigindo a descrição pormenorizada da conduta de cada agente –, não significa que o órgão acusatório possa deixar de estabelecer qualquer vínculo entre os denunciados e a empreitada criminosa a eles imputada.
III. O simples fato de ser sócio ou administrador de empresa não autoriza a instauração de processo criminal por crimes praticados no âmbito da sociedade, se não restar comprovado, ainda que com elementos a serem aprofundados no decorrer da ação penal, a mínima relação de causa e efeito entre as imputações e a sua função na empresa, sob pena de se reconhecer a responsabilidade penal objetiva.
IV.O contrato firmado pela empresa da qual a acusada seria sócia com a autarquia municipal, o qual seria a circunstância que, segundo a denúncia, caracterizaria a participação da paciente na empreitada supostamente criminosa, teria sido assinado por outro co-réu.
V. A inexistência absoluta de elementos hábeis a descrever a relação entre os fatos delituosos e a autoria ofende o princípio constitucional da ampla defesa, tornando inepta a denúncia.
VI. Precedentes do STF e do STJ.
VII. Deve ser determinado o trancamento da ação penal instaurada contra a paciente.
VIII. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator”.

De se ver, quando há pluralidade de acusados, a regra para a feitura da proposta acusatória consiste em individualizar a ação de cada agente, sob pena de inépcia e conseqüente nulidade do feito por cerceamento de defesa, já que o réu se defende dos fatos que lhe foram imputados, e não do artigo de lei eleito na inicial.

Por CARLOS BARROS - Advogado Criminalista. Professor em Cursos de Graduação e Pós-Graduação. Professor da Escola Superior de Advocacia da OAB/PE. Coordenador do Núcleo de Processo Penal da Escola Superior de Advocacia da OAB/PE. Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal pela ESMAPE. Pós-Graduando em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra - Portugal. Membro do IBCCRIM. carlosbarros@carlosbarros.adv.br

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

CACCIOLA CONSEGUE PROGRESSÃO PARA REGIME SEMIABERTO

Preso desde julho de 2008, o ex-banqueiro Salvatore Cacciola conseguiu progressão para o regime semiaberto na Justiça do Rio de Janeiro. Ele cumpre pena de 13 anos por crimes contra o sistema financeiro. Com a progressão, Cacciola pode trabalhar e visitar a família, voltando para a prisão no final do dia, onde deverá passar a noite. As informações são da Agência Brasil.

A Justiça considerou preenchidos os requisitos para a progressão do regime e que não há risco de fuga. Além de ter sido condenado pela Justiça Federal por peculato e gestão fraudulenta, Cacciola também teve prisão preventiva decretada em outro processo, por “emitir, oferecer ou negociar títulos ou valores mobiliários sem lastro ou garantias suficientes”.

Em 1999, o Banco Marka, de propriedade de Cacciola, precisou de ajuda financeira do Banco Central para honrar seus compromissos. Nessa época, houve uma grande desvalorização do real em relação ao dólar. No entanto, tempos antes, a instituição financeira tinha comprometido um valor 20 vezes superior ao seu próprio patrimônio líquido em contratos futuros de câmbio. O resultado foi desastroso: o Marka causou prejuízo aos cofres públicos estimado em R$ 1,5 bilhão.

Embora tenha sido preso pela Polícia Federal em 2000, ficou apenas 37 dias na cadeia. Após receber um Habeas Corpus do Supremo Tribunal Federal, fugiu para a Itália. Só foi recapturado em 2007, no Principado de Mônaco, porque constava em uma lista de procurados da Interpol.

Esta é a segunda vez que ele obtém a progressão de regime. Em outubro do ano passado, o Tribunal de Justiça suspendeu o benefício a pedido do Ministério Público. Fonte: Conjur